Neurociência aplicada: por que ainda é tão difícil qualificar profissionais no Brasil?
Falar sobre neurociência é falar sobre a vida. Entender o funcionamento do cérebro e tudo aquilo que passa pelo filtro é também compreender o comportamento do ser humano. Apesar de ser um tema complexo, a neurociência vem se destacando no mercado de trabalho com a principal proposta de promover o desenvolvimento de pessoas, mas analisando não apenas a psicologia e sim um conjunto de fatores importantes para o ser humano. No entanto, de acordo com Carla Tieppo, neurocientista respeitada e palestrante sobre diversos temas relacionados à neurociência, existe hoje no Brasil um problema sério com a forma com que os profissionais disseminam a neurociência e como ela deve ser aplicada nas empresas. Como o mercado de trabalho utiliza a neurociência? No Brasil ainda temos pouca neurociência. O conceito da neurociência e a utilização por empresas é utilizado em algumas empresas americanas, britânicas, australianas, em que a neurociência é utilizada pelo RH. O que acontece é que você desenvolve líderes e gestores por autoconhecimento e autogestão, facilitando o desenvolvimento de equipes de trabalho, especialmente quando se fala de tomada de decisões e consumo. O Brasil ainda está muito atrasado quando falamos de neurociência e mercado de trabalho? Um dos maiores problemas é que muitas pessoas começam a se auto-intitular neurocientistas. O conceito não é simples, estamos falando de uma ciência que estuda o cérebro e a vida. Para ter uma formação adequada, é preciso muito mais do que um curso de 30 horas sobre o tema. Eu, por exemplo, estudei e continuo estudando muito sobre o tema para poder aplicá-lo no mundo corporativo. Passei por mestrado e doutorado, porque é preciso ter conhecimentos científicos, psicológicos e conhecimentos aprofundados sobre o comportamento humano. E quais são as formas de começarmos a desenvolver um estudo mais avançado no assunto e, consequentemente, pessoas mais desenvolvidas? Ainda não existem muitas opções de cursos no Brasil e o que existe ainda é bastante incipiente. Acredito que as pessoas precisam se interessar de verdade pelo assunto para buscar uma especialização aprofundada e correta. Mas o interesse vem crescendo bastante, o que é muito bom, mas ao mesmo tempo o crescimento de demanda requer um número maior de profissionais especializados. Eu costumo falar que ainda faço um trabalho hercúleo para conseguir atender a demanda de pessoas que querem conhecer e se especializar no assunto. É um processo longo, mas acredito que aos poucos o Brasil vai conseguir formar profissionais verdadeiramente capacitados em neurociência. E como funcionam os programas de neurociência aplicada nas empresas? No geral são muitos treinamentos. Eu sempre aconselho que o trabalho comece pela área de Recursos Humanos, pois muitas pessoas não conhecem a neurociência. Quando fazemos esse treinamento com o responsável pela área e pelo desenvolvimento corporativo de várias pessoas, esses profissionais começam a ser sensibilizados para o conhecimento. Este processo de capacitação dura de dois a três dias e já dá início a um desenvolvimento pessoal. Mas quero destacar que trabalhamos em diversos níveis, além de treinamentos dinâmicos, também estimulamos a produção de hábitos, especialmente quando falamos de jovens líderes. Por que focar em jovens líderes? Eu não vou ser genérica e falar que a geração Y só tem problemas, até porque isso não é verdade. Mas os jovens, em geral, têm certo problema para se conectarem com o mundo ao redor e enxergar o outro. Isso para jovens líderes representa um grande problema. O perfil de líder requer que enxerguemos o coletivo, esquecendo o ego e buscando um processo de conhecimento pessoal e do próximo. É uma tarefa difícil, mas é muito necessária. Uma pessoa sozinha consegue aplicar os conceitos de neurociência e começarem a conhecer a si próprias? É muito difícil. As pessoas têm dificuldades em conhecer a neurociência e passar pelos primeiros capítulos de um livro, por exemplo, porque o tema é complexo. Acredito que as pessoas que se interessem pelo tema precisam ser guiadas por um mentor que conheça muito bem o tema. É o que eu falei de pessoas preparadas para falar e aplicar o conceito, não adianta estudar 30 horas e achar que já conhece o tema. O assunto é muito mais profundo que isso. Compartilhe! Facebook Twitter LinkedIn WhatsApp
Neurosexismo: o mito de que homens e mulheres têm diferenças no cérebro
Pesquisas que tentam estabelecer distinção entre cérebro masculino e feminino não são conclusivas. O que alimenta esta ideia pode estar mais ligado à cultura No livro “The Gendered Brain” (O gênero do cérebro, em tradução livre), a neurocientista da área cognitiva Gina Rippon cita uma pesquisa que “finalmente” revela uma diferença entre o cérebro da mulher e o do homem. Esse estudo, realizado com 21 homens e 27 mulheres na Universidade da Califórnia em 2005, deu volta ao mundo em anúncios publicitários, jornais, TVs e conferências de liderança corporativa. Cinco anos depois, mais um escândalo tomou conta da mídia, quando a correspondente para assuntos médicos Jennifer Ashton, do canal americano CBS, disse que “os homens tinham seis vezes e meia mais massa cinzenta do que as mulheres”. Logo em seguida, obviamente, surgiram as notícias de que os homens têm mais talento para matemática e mulheres são mais hábeis para multitarefas. Mesmo que, para isso, fosse necessário as mulheres terem um cérebro 50% maior, começaram a aparecer notícias sobre a correlação disso com o QI e a quantidade de massa cinzenta ou branco no cérebro de um e de outro gênero. Neurosexismo A história das pesquisas que buscam as diferenças entre os sexos é repleta de interpretações errôneas e números inconsistentes. Gina Rippon, uma das maiores porta-vozes contra as “más” pesquisas da neurociência sobre a diferença de gêneros, diz que – de tempos em tempos – aparece uma pesquisa ou outra para dar sequência a este ciclo que tenta perpetuar a ideia de que existe diferença entre os sexos. Este tipo de pesquisa, segundo ela, continua sendo feito em diversos laboratórios, mas explodiu mesmo quando apresentaram uma ressonância magnética. No entanto, como diz o livro The Gendered Brain, ainda não existem conclusões exatas sobre estas pesquisas. Os cientistas modernos ainda não encontraram diferenças significativas e definitivas entre o cérebro de homens e mulheres. No cérebro das mulheres, o processamento da linguagem não flui melhor entre os hemisférios, na comparação com o cérebro do homem, conforme sugeriu artigo publicado pela Nature, em 1995. Isso foi negado em estudo posterior, de 2008. O tamanho do cérebro e certas características, como a proporção de substância cinzenta e branca, podem, sim, variar em função do tamanho do corpo. Mas estas são diferenças de grau, não de gênero. Como Rippon notou, elas não são vistas quando comparamos um homem de cabeça pequena com uma mulher de cabeça grande. Isso não está nada relacionado a hobbies e remuneração. Como acabar com o neurosexismo? A mensagem central do livro da neurocientista Rippon é que “um mundo dividido por gênero produz um cérebro de gênero”. O livro reforça a ideia de que, para erradicar o neurosexismo, é preciso eliminar esse tipo de pesquisa. Rippon lembra, no livro, de uma citação de 1895 do psicólogo social Gustave Le Bon, que usou seu “cefalômetro” portátil para declarar que as mulheres “representam as formas mais inferiores da evolução humana”. Em outro exemplo, ela cita o engenheiro do Google James Damore, que escreveu para os colegas na internet, em 2017, que as mulheres não assumem mais cargos de tecnologia e liderança por “causas biológicas”. A busca por provas de inferioridade das mulheres foi parcialmente freada mais recentemente com a ideia de “complementaridade” entre homens e mulheres. Esta linha de pensamento ainda diz que as mulheres não são menos inteligentes do que os homens e, somente, diferentes, o que coincide com ensinamentos bíblicos sobre o papel de cada gênero. Assim, diz-se que o cérebro das mulheres está mais ligado à empatia e à intuição, ao passo que o cérebro masculino seria mais voltados à razão e à ação. Herança cultural Se não existe diferença entre os cérebros de homens e mulheres, então o que explicaria as diferenças de comportamento e interesse de um gênero para outro? Segundo o livro de Rippon, isso é consequência de um mundo dividido em gênero, na cultura do azul-e-rosa, que moldaria o cérebro de meninos e meninas desde cedo. Rippon estruturou seu livro em quatro teorias que explicam esta cultura: as pesquisas históricas sobre diferenças entre os sexos, baseadas em imagens do cérebro; o surgimento da neurociência cognitiva social, as poucas diferenças no cérebro de recém-nascidos e, por fim, ao triste fato de as pessoas acharem que mulheres talentosas são consideradas “trabalhadoras” e homens como “gênios selvagens”. Tudo isso, segundo a neurocientista, pode contribuir para o ciclo de construção do cérebro e expectativas diferenciadas, níveis de autoconfiança e tomada de risco que levam homens e mulheres a diferentes trajetórias de carreira e sucesso. Fonte: www.nature.com/articles/d41586-019-00677-x Compartilhe! Facebook Twitter LinkedIn WhatsApp
Vieses Inconscientes e a Potência da Diversidade nas Organizações.
Por Que é Tão Importante Quebrar Padrões no Ambiente Corporativo? É hora de levar um papo reto, não enviesado: Por que é que conhecer sobre esses vieses inconscientes e trabalhar na superação deles pode ser tão importante, e até revolucionário, no ambiente corporativo? Você sabia que o nosso cérebro tem trilhas preferenciais que influenciam nosso jeito de pensar, de se comportar e até de perceber o mundo. Essas trilhas são moldadas pelo efeito acumulado das experiências de vida de cada um, da cultura em que está inserido e também pelos mecanismos de adaptação evolutiva do cérebro ao longo de milhões de anos. Esses atalhos cerebrais podem ter sido construídos tanto pela repetição quanto por terem dado certo uma vez, com isso, o cérebro transformou em padrão. O fato é que não enxergamos a realidade como ela é, mas temos um jeito próprio, único, exclusivo, mas também enviesado, de ver o mundo. Vieses inconscientes Acredite! Todo mundo tem vieses inconscientes, essas trilhas preferenciais do cérebro, que nos conduzem a comportamentos e pensamentos estereotipados e até preconceituosos. Podem nos levar, por exemplo, a escolher um homem em vez de uma mulher para um posto de liderança simplesmente porque estamos mais acostumados com esse padrão ou a colocar uma pessoa mais parecida com nossa personalidade na equipe ou ainda a rejeitar um candidato porque não gostamos de camisa xadrez. Mas, como esses vieses são inconscientes, não nos damos conta, não conseguimos identificar quais são os nossos. Já parou para pensar quais seriam os seus? Que viés foi esse? Não é um arraso! O nosso cérebro age na maioria do tempo de modo automático, baseados nesses padrões preestabelecidos e não temos consciência de que isso acontece. E por que isso pode ser ruim? Os vieses podem nos levar a decisões, atitudes e soluções que nem sempre são as melhores, mas acontecem porque estamos viciados em enxergar ou agir daquela maneira. Mas quando se pensa em vieses inconscientes não se trata de falar apenas sobre raça, idade, gênero. Há vieses que não são tão óbvios e que, justamente por isso, não são questionados, não há reflexão sobre eles. Um sotaque de uma pessoa, uma peça de roupa, uma voz fina, um jeito de sentar, aparência física, uma maneira de passar a mão na cabeça que podem influenciar nossa decisão inconscientemente. E vieses assim podem levar a erros grotescos em seleções, promoções, na construção de times, no desenvolvimento de projetos e tudo isso pode prejudicar fortemente o desempenho de uma organização. A consciência e o fazer diferente Ter a consciência de que somos guiados por esses vieses não os extingue, mas pode nos fazer refletir: será mesmo esse o melhor caminho? Qual seria uma solução completamente diferente dessa? Estou levando em conta todas as variáveis e informações sem ser tendencioso? Estou realmente enxergando todas as possibilidades ou tomando um posicionamento enviesado, mais fácil, sem ter que pensar? Por que motivos estou escolhendo essa pessoa, ela é realmente a melhor opção para a vaga? Vale a pena ressaltar, no entanto, que questionar um viés dá trabalho. E exige esforço. É sair da zona de conforto, do modo automático, é ter que pensar, refletir, discutir com outras pessoas, admitir sua limitação, tentar ver através do olhar do outro. Mas questionar um viés também é chave para fazer diferente, para transformar, o que é fundamental no ambiente corporativo atual. É o tão aclamado “pensar fora da caixa”, é ver por outro ângulo, é fomentar a inovação! Dá pra se livrar dos vieses? Na verdade, não vem ao caso se livrar deles. Até porque os atalhos cerebrais que proporcionam os vieses são mecanismos para o bom funcionamento do cérebro, para que ele tenha velocidade de ação, para que ele consiga dar conta da imensa gama de coisas que coordena. Mas gerenciar alguns vieses que identificamos como prejudiciais e nos colocar em alerta à existência deles já possibilita compreender que uma “visão de fora” muitas vezes pode ajudar a solucionar um problema nosso para o qual não encontrávamos solução. A diversidade e a potência corporativa. Pense só: se cada um de nós, por conta de vieses, tem uma visão de mundo diferente, imagine a potência que essa diferença de olhares não pode gerar na resolução de problemas complexos e na criação de coisas novas. Uma organização hoje não deve apenas ter em conta que cada funcionário é diferente, mas também tirar proveito dessas diferenças, explorando seus talentos, competências e formas de ver o mundo. É enxergar que vieses diferentes podem ser complementares e, sem dúvida, uma grande potência no ambiente corporativo! Voltando ao nosso papo reto – que agora você já sabe que é sempre enviesado – vale muito a pena educar e treinar pessoas sobre vieses inconscientes nas organizações. Quebrar padrões no ambiente corporativo deve ser trilha preferencial e a consciência sobre os vieses pode ser transformada em potência de inovação! Compartilhe! Facebook Twitter LinkedIn WhatsApp